Diferencia entre revisiones de «BRASIL; Romanização»

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
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Termo impropriamente usado como sinônimo da reforma eclesial levada a cabo durante o Segundo Império (1842-1889) ou da reestruturação da Igreja no Brasil ao longo da República Velha (1889-1930), quando não de ambas, tem uma origem européia. O autor desse neologismo foi Johann Joseph Ignaz von Döllinger (1799-1890), padre, historiador e teólogo alemão, opositor declarado da definição da infalibilidade papal. Em 1869, com o pseudônimo de “Janus”, ele publicou a obra ''Der Papst und das Concil'' (O Papa e o Concílio), onde denunciava que “o ideal da Igreja para os ultramontanos é a ‘''romanização''’ de cada igreja particular e possivelmente a supressão de toda vida própria das igrejas nacionais”.<ref>[JOSEPH IGNAZ VON DÖLLINGER] JANUS, ''Il Papa ed il Concilio'', Ermano Loescher Editore Libraio, Torino 1869, p.38.</ref>
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Termo impropriamente usado como sinônimo da [[BRASIL;_reforma_eclesial | reforma eclesial]] levada a cabo durante o Segundo Império (1842-1889) ou da reestruturação da Igreja no [[BRASIL;_Afrodescendientes | Brasil]] ao longo da [[REESTRUTURAÇÃO_ECLESIAL_NA_REPÚBLICA_VELHA | República Velha]] (1889-1930), quando não de ambas, tem uma origem européia. O autor desse neologismo foi Johann Joseph Ignaz von Döllinger (1799-1890), padre, historiador e teólogo alemão, opositor declarado da definição da infalibilidade papal. Em 1869, com o pseudônimo de “Janus”, ele publicou a obra ''Der Papst und das Concil'' (O Papa e o Concílio), onde denunciava que “o ideal da Igreja para os ultramontanos é a ‘''romanização''’ de cada igreja particular e possivelmente a supressão de toda vida própria das igrejas nacionais”.<ref>[JOSEPH IGNAZ VON DÖLLINGER] JANUS, ''Il Papa ed il Concilio'', Ermano Loescher Editore Libraio, Torino 1869, p.38.</ref>
  
Döllinger acabou sendo excomungado em 1871, mas, o seu pensamento foi apropriado pelo baiano Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923), que dele se serviu para tentar justificar a submissão da Igreja ao regalismo brasileiro. Ele fez isso ao acrescentar no início da tradução da obra mencionada, uma grande introdução, onde usou livremente o conceito “romanização” em chave jurisdicionalista. Era o ano de 1875 e o Grão-mestre maçom Joaquim Saldanha Marinho, ao tomar conhecimento do fato, ofereceu ao seu ator a quantia de cinqüenta contos de réis, mais a promessa de adquirir mil e quinhentos exemplares para a sua loja maçônica, a fim que a mesma fosse publicada.<ref>LUÍS VIANA FILHO, ''Rui & Nabuco'', José Olympio Editora, Rio de Janeiro 1949, pp. 133 – 134.</ref>  
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Döllinger acabou sendo excomungado em 1871, mas, o seu pensamento foi apropriado pelo baiano Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923), que dele se serviu para tentar justificar a submissão da Igreja ao [[REGALISMO_BRASILEIRO | regalismo brasileiro]]. Ele fez isso ao acrescentar no início da tradução da obra mencionada, uma grande introdução, onde usou livremente o conceito “romanização” em chave jurisdicionalista. Era o ano de 1875 e o Grão-mestre maçom Joaquim Saldanha Marinho, ao tomar conhecimento do fato, ofereceu ao seu ator a quantia de cinqüenta contos de réis, mais a promessa de adquirir mil e quinhentos exemplares para a sua loja maçônica, a fim que a mesma fosse publicada.<ref>LUÍS VIANA FILHO, ''Rui &amp; Nabuco'', José Olympio Editora, Rio de Janeiro 1949, pp. 133 – 134.</ref>  
  
Rui prontamente aceitou e no ano seguinte, depois da recusa de algumas editoras em imprimi-lo, o livro foi lançado no Rio de Janeiro pela Brown e Evaristo, causando surpresa pela virulência da linguagem do tradutor na citada introdução que fez, onde atacava rijo o pontificado romano e o que chamava de “trevas ultramontanas”. Particular crítica também mereceu o novo dogma contido ''na Pastor Aeternus''; mas, o inteiro processo de mudança eclesial ocorrido no Brasil e noutros países foi igualmente alvo de comentários mordazes: “Não houve talvez, antes da sua recente ''romanização'' (o grifo é nosso), um sínodo importante que ali não afirmasse a subalternidade dos papas à autoridade do Concílio Geral. [...] O episcopado abdicou é certo, afinal, à consciência e o dever aos pés do ídolo ultramontano. [...] A primeira conseqüência dessa nova fase é a absorção da Igreja pelo papado”.<ref>RUI BARBOSA, ''O Papa e o Concílio'', Brown e Evaristo  Editores, Rio de Janeiro 1877, pp. 11 –12, 46, 73, 76, 91, 167.</ref>
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Rui prontamente aceitou e no ano seguinte, depois da recusa de algumas editoras em imprimi-lo, o livro foi lançado no Rio de Janeiro pela Brown e Evaristo, causando surpresa pela virulência da linguagem do tradutor na citada introdução que fez, onde atacava rijo o pontificado romano e o que chamava de “trevas ultramontanas”. Particular crítica também mereceu o novo dogma contido ''na Pastor Aeternus''; mas, o inteiro processo de mudança eclesial ocorrido no [[BRASIL;_Afrodescendientes | Brasil]] e noutros países foi igualmente alvo de comentários mordazes: “Não houve talvez, antes da sua recente ''romanização'' (o grifo é nosso), um sínodo importante que ali não afirmasse a subalternidade dos papas à autoridade do Concílio Geral. [...] O episcopado abdicou é certo, afinal, à consciência e o dever aos pés do ídolo ultramontano. [...] A primeira conseqüência dessa nova fase é a absorção da Igreja pelo papado”.<ref>RUI BARBOSA, ''O Papa e o Concílio'', Brown e Evaristo  Editores, Rio de Janeiro 1877, pp. 11 –12, 46, 73, 76, 91, 167.</ref>
  
Mais tarde, Rui se reconciliou com o Catolicismo, recusou de lançar uma segunda edição de ''O Papa e o Concílio'', nunca mais reutilizou o termo “romanização” e fez uma sincera confissão de culpa: “''Escrevi isso (O Papa e o Concílio) no início da minha vida para manter minha mulher. O Saldanha Marinho me prometeu cinqüenta contos, que seriam uma fortuna para mim. Tive castigo imediato, dado que o Saldanha não me deu nada”.<ref>LUIZ VIANA FILHO, ''Rui & Nabuco'', p. 134. </ref>Ele foi além e no jornal A Imprensa, retratou-se publicamente do que escrevera: “O juízo da mocidade cedeu em nós à reflexão da idade madura. [...] Não hesitamos em rejeitar aquele parecer como exageração lógica e erro de inexperiência, a que nos congratulamos por ver-se opor-se ainda agora, em imponente maioria, a Câmara dos deputados''”.<ref>RAIMUNDO MAGALHÃES JÚNIOR, ''Rui, o homem e o mito, 3.ª ed., Civilização Brasileira'', Rio de Janeiro 1979, p. 27.</ref>
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Mais tarde, Rui se reconciliou com o Catolicismo, recusou de lançar uma segunda edição de ''O Papa e o Concílio'', nunca mais reutilizou o termo “romanização” e fez uma sincera confissão de culpa: “''Escrevi isso (O Papa e o Concílio) no início da minha vida para manter minha mulher. O Saldanha Marinho me prometeu cinqüenta contos, que seriam uma fortuna para mim. Tive castigo imediato, dado que o Saldanha não me deu nada”.<ref>LUIZ VIANA FILHO, ''Rui &amp; Nabuco'', p. 134. </ref>Ele foi além e no jornal A Imprensa, retratou-se publicamente do que escrevera: “O juízo da mocidade cedeu em nós à reflexão da idade madura. [...] Não hesitamos em rejeitar aquele parecer como exageração lógica e erro de inexperiência, a que nos congratulamos por ver-se opor-se ainda agora, em imponente maioria, a Câmara dos deputados''”.<ref>RAIMUNDO MAGALHÃES JÚNIOR, ''Rui, o homem e o mito, 3.ª ed., Civilização Brasileira'', Rio de Janeiro 1979, p. 27.</ref>
  
 
O conceito “romanização”, ainda que com novas nuances, reapareceu décadas mais tarde, nos estudos do sociólogo francês Roger Bastide (1898-1974) e nas obras do historiador estadunidense Ralph della Cava. Em seguida, sob influência destes, outros estudiosos o utilizaram, coisa que prossegue até os nossos dias. Acrescente-se que, “romanização”, ressalva feita às óbvias diferenças históricas e de conteúdo, possui também vaga analogia com “romanismo”, outro célebre vocábulo, cunhado por alguns cultos reformados para se referirem ao Catolicismo. Também neste caso a origem é alemã, dado que foi Martinho Lutero quem, em 1520, no seu manifesto À nobreza cristã da Nação Alemã, acusou o que entendia serem as muralhas defensivas dos “romanistas”.<ref>Cf. MARTINO LUTERO, ''Alla nobiltà cristiana della nazione tedesca,'' Claudiana, Torino 2008, p.54.</ref>
 
O conceito “romanização”, ainda que com novas nuances, reapareceu décadas mais tarde, nos estudos do sociólogo francês Roger Bastide (1898-1974) e nas obras do historiador estadunidense Ralph della Cava. Em seguida, sob influência destes, outros estudiosos o utilizaram, coisa que prossegue até os nossos dias. Acrescente-se que, “romanização”, ressalva feita às óbvias diferenças históricas e de conteúdo, possui também vaga analogia com “romanismo”, outro célebre vocábulo, cunhado por alguns cultos reformados para se referirem ao Catolicismo. Também neste caso a origem é alemã, dado que foi Martinho Lutero quem, em 1520, no seu manifesto À nobreza cristã da Nação Alemã, acusou o que entendia serem as muralhas defensivas dos “romanistas”.<ref>Cf. MARTINO LUTERO, ''Alla nobiltà cristiana della nazione tedesca,'' Claudiana, Torino 2008, p.54.</ref>
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Revisión del 18:07 26 may 2015

Termo impropriamente usado como sinônimo da reforma eclesial levada a cabo durante o Segundo Império (1842-1889) ou da reestruturação da Igreja no Brasil ao longo da República Velha (1889-1930), quando não de ambas, tem uma origem européia. O autor desse neologismo foi Johann Joseph Ignaz von Döllinger (1799-1890), padre, historiador e teólogo alemão, opositor declarado da definição da infalibilidade papal. Em 1869, com o pseudônimo de “Janus”, ele publicou a obra Der Papst und das Concil (O Papa e o Concílio), onde denunciava que “o ideal da Igreja para os ultramontanos é a ‘romanização’ de cada igreja particular e possivelmente a supressão de toda vida própria das igrejas nacionais”.[1]

Döllinger acabou sendo excomungado em 1871, mas, o seu pensamento foi apropriado pelo baiano Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923), que dele se serviu para tentar justificar a submissão da Igreja ao regalismo brasileiro. Ele fez isso ao acrescentar no início da tradução da obra mencionada, uma grande introdução, onde usou livremente o conceito “romanização” em chave jurisdicionalista. Era o ano de 1875 e o Grão-mestre maçom Joaquim Saldanha Marinho, ao tomar conhecimento do fato, ofereceu ao seu ator a quantia de cinqüenta contos de réis, mais a promessa de adquirir mil e quinhentos exemplares para a sua loja maçônica, a fim que a mesma fosse publicada.[2]

Rui prontamente aceitou e no ano seguinte, depois da recusa de algumas editoras em imprimi-lo, o livro foi lançado no Rio de Janeiro pela Brown e Evaristo, causando surpresa pela virulência da linguagem do tradutor na citada introdução que fez, onde atacava rijo o pontificado romano e o que chamava de “trevas ultramontanas”. Particular crítica também mereceu o novo dogma contido na Pastor Aeternus; mas, o inteiro processo de mudança eclesial ocorrido no Brasil e noutros países foi igualmente alvo de comentários mordazes: “Não houve talvez, antes da sua recente romanização (o grifo é nosso), um sínodo importante que ali não afirmasse a subalternidade dos papas à autoridade do Concílio Geral. [...] O episcopado abdicou é certo, afinal, à consciência e o dever aos pés do ídolo ultramontano. [...] A primeira conseqüência dessa nova fase é a absorção da Igreja pelo papado”.[3]

Mais tarde, Rui se reconciliou com o Catolicismo, recusou de lançar uma segunda edição de O Papa e o Concílio, nunca mais reutilizou o termo “romanização” e fez uma sincera confissão de culpa: “Escrevi isso (O Papa e o Concílio) no início da minha vida para manter minha mulher. O Saldanha Marinho me prometeu cinqüenta contos, que seriam uma fortuna para mim. Tive castigo imediato, dado que o Saldanha não me deu nada”.[4]Ele foi além e no jornal A Imprensa, retratou-se publicamente do que escrevera: “O juízo da mocidade cedeu em nós à reflexão da idade madura. [...] Não hesitamos em rejeitar aquele parecer como exageração lógica e erro de inexperiência, a que nos congratulamos por ver-se opor-se ainda agora, em imponente maioria, a Câmara dos deputados”.[5]

O conceito “romanização”, ainda que com novas nuances, reapareceu décadas mais tarde, nos estudos do sociólogo francês Roger Bastide (1898-1974) e nas obras do historiador estadunidense Ralph della Cava. Em seguida, sob influência destes, outros estudiosos o utilizaram, coisa que prossegue até os nossos dias. Acrescente-se que, “romanização”, ressalva feita às óbvias diferenças históricas e de conteúdo, possui também vaga analogia com “romanismo”, outro célebre vocábulo, cunhado por alguns cultos reformados para se referirem ao Catolicismo. Também neste caso a origem é alemã, dado que foi Martinho Lutero quem, em 1520, no seu manifesto À nobreza cristã da Nação Alemã, acusou o que entendia serem as muralhas defensivas dos “romanistas”.[6]

Notas

  1. [JOSEPH IGNAZ VON DÖLLINGER] JANUS, Il Papa ed il Concilio, Ermano Loescher Editore Libraio, Torino 1869, p.38.
  2. LUÍS VIANA FILHO, Rui & Nabuco, José Olympio Editora, Rio de Janeiro 1949, pp. 133 – 134.
  3. RUI BARBOSA, O Papa e o Concílio, Brown e Evaristo Editores, Rio de Janeiro 1877, pp. 11 –12, 46, 73, 76, 91, 167.
  4. LUIZ VIANA FILHO, Rui & Nabuco, p. 134.
  5. RAIMUNDO MAGALHÃES JÚNIOR, Rui, o homem e o mito, 3.ª ed., Civilização Brasileira, Rio de Janeiro 1979, p. 27.
  6. Cf. MARTINO LUTERO, Alla nobiltà cristiana della nazione tedesca, Claudiana, Torino 2008, p.54.


DILERMANDO RAMOS VIEIRA