MESA DE CONSCIÊNCIA E ORDENS

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
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Em relação ao Padroado Real, é importante recordar o papel que desempenhou a chamada «Mesa da Consciência e Ordens», que foi um “conselho-tribunal híbrido, na composição e na finalidade, integrada por juízes do direito civil e do direito canônico, personalidade da Igreja e outras que o rei considerasse por bem convocar (personalidades áulicas), as suas atribuições demonstram uma latíssima heterogeneidade que torna difícil qualquer esquematização”.[1]

Essa instituição foi criada no ano de 1532 pelo poder real em Portugal, e tinha como objetivo debater os problemas e os desafios da expansão portuguesa do século XVI. “Nos começos do século XVI prevalecia ainda em Portugal uma concepção medieval do poder, que não admitia a mera «razão de estado» corno razão suficiente; se o estado tendia aos poucos para o absolutismo régio, o seu autoritarismo, confessadamente limitado pela ética, era muito diferente do dos modernos regimes totalitários, que criam os seus próprios valores e os impõem, sem admitirem normas preexistentes ao estado e à própria sociedade humana a que se devam submeter in limine.

Na época da expansão o estado português, como o espanhol, apresentava-se corno um estado ético, cuja liberdade de ação estava à partida limitada pela moral; dai o hábito, constante desde a expedição a Ceuta em 1515, de recorrer a juntas de letrados - teólogos, moralistas e juristas - para que se pronunciassem sobre a liceidade dos passos políticos eventualmente discutíveis que se pretendiam dar. Essa prática foi em 1532 institucionalizada com a criação da Mesa da Consciência e Ordens”.[2]

A Mesa da Consciência, segundo M. Azevedo Cruz, se pode chamar de “instância moralizadora da sociedade portuguesa particularmente nas ações da expansão”.[3]

“Para além de toda casuística, a Mesa da Consciência demonstrou, na sua intervenção moralizadora perante os casos concretos de choque de interesses, a antecipação da consciência e da formação da consciência à verificação em concreto, das consequências da expansão, prova, afinal, de que o problema dos valores também faz parte da história do Padroado Real”.[4]

Este instituto foi criado “para aconselhar a Coroa acerca do regime de estabelecimentos de piedade e caridade, como os respectivos às capelas, hospitais, albergarias, mamposteiros e resgates de cativos, e também aos perdões, às Ordens Religiosas e várias atribuições da universidade”.[5] No início, esse tribunal, estava circunscrito ao âmbito das ordens religioso-militares, depois suas faculdades aumentam e a maioria dos negócios eclesiásticos vai depender da Mesa.

Para Rubert, a Mesa da Consciência “tinha por finalidade examinar candidatos a benefícios eclesiásticos nas igrejas do padroado, expedir as respectivas provisões e cartas de apresentação, dar parecer nas consultas enviadas pelo rei referentes a assuntos eclesiásticos, examinar propostas de novas circunscrições eclesiásticas”.[6]

Em uma carta «Instruzzione piena delle cose di Portogallo data a Monsignor coadjutore di Bergamo, nunzio apostolico di Portogallo, per ordine di Papa Paolo III» podemos ver uma forte reação de setores da Igreja com referência a Mesa da Consciência e Ordens.

“Em Portugal se encontrou um novo modo de tomar a jurisdição eclesiástica: e isto é que o rei fez um auditório ou parlamento, que chamam Mesa da Consciência, dirigida por padres, e leigos, frades, e prelados, sobre qualquer coisa, desde que exista apego ao poder dizer que seja coisa de consciência, e sob o pretexto desta consciência comandam e limitam, fazem e desfazem, coisas grandíssimas contra prelados, e todos os outros eclesiásticos, não havendo jurisdição alguma do papa nem de legados seus, e sendo meramente juízes incompetentíssimos naquilo que fazem”.[7]

NOTAS

  1. 1 M.R. DE AZEVEDO CRUZ, «A Mesa da Consciência e Ordens, o Padroado e as perspectivas da Missionação», in CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA, Missionação Portuguesa e encontro de culturas, vol. 3, Barbosa & Xavier, Braga 1993, 627.
  2. L. F. F. R. THOMAZ, «Descobrimentos e evangelização. Da cruzada à missão pacífica» in CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA, Missionação Portuguesa e encontro de culturas, 82.
  3. M. R. DE AZEVEDO CRUZ, «A Mesa da Consciência e Ordens, o Padroado e as perspectivas da Missionação», in CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA, Missionação Portuguesa e encontro de culturas, 641.
  4. Ibidem, 647.
  5. E. DE ANDRADE VEIGA, Os Parocos no Brasil no Período Colonial 1500-1822, Beneditina, Salvador 1977, 16.
  6. A. RUBERT A Igreja no Brasil – Origem e Desenvolvimento, 51.
  7. «Apontamentos para as instruções do núncio Luiz Lippomano» in CORPO DIPLOMÁTICO PORTUGUEZ, Os actos e relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potências do Mundo, vol. 5, tipografia da Academia real das Sciencias, Lisboa 1874, 139: “In Portogallo si è ora trovato un nuovo modo di pigliare la giurisdizione ecclesiastica: e questo si è che il re ha fato un auditorio o parlamento, che chiamano Mensa della Coscienza, governata da preti, e laici, frati, e prelati, sopra ogni cosa, purchè ci sia attacco di poter dire che sia cosa di coscienza; e sotto pretesto di questa coscienza comandano e limitano, fanno e disfanno, cose grandissime contra prelati, e tutti gli altri ecclesiastici, non avendo giurisdizione alcuna dal Papa nè da legati suoi, e essendo meramente giudici incompetentissimi di ciò, che fanno”.

BIBLIOGRAFÍA

DE ANDRADE VEIGA E., Os Párocos no Brasil no Período Colonial 1500-1822, Beneditina, Salvador 1977

PONTIFICIA COMMISSIO PRO AMERICA LATINA, Los últimos cien años de la Evangelización en América Latina, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2000

VV.AA. CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA, Missionação Portuguesa e encontro de culturas, vol. 3, Barbosa & Xavier, Braga, 1993


CLEOCIR BONETTI