CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
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Para conservar o Brasil ligado à metrópole, não bastavam as feitorias e ainda porque as ameaças de invasão se faziam mais fortes. A partir de 1534, foram instituídas por D. João III as chamadas «Capitanias Hereditárias».[1]O rei D. João III dividiu a terra brasileira em faixas que partiam do litoral até a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas. Essas faixas de terra serão as chamadas «Capitanias Hereditárias».

Essas terras foram concedidas aos nobres, antigos navegadores, pessoas de confiança do rei. Os que recebiam as terras eram chamados «Donatários», que deveriam administrar, colonizar, proteger e desenvolver a região, como também lutar contra os índios que resistiriam à ocupação do território.

Os «Donatários» tinham o direito de explorar as riquezas minerais e vegetais de suas terras. As terras e os direitos seriam transferidos de pai para filho aí a razão de se chamar «hereditárias» desse sistema administrativo. As capitanias não eram administradas diretamente pela Coroa, mas pelos assim chamados «capitães» ou «governadores». Regime autárquico, útil como ponto de partida para colonizar. Eram muitas as dificuldades para administrar as «Capitanias» como a distância de Portugal, os ataques indígenas, a falta de recursos e a extensão territorial. “O desejo de propagação da fé católica em terras habitadas por indígenas, aliado à necessidade do povoamento e defesa das referidas regiões ultramarinas, constituíam, porém,o maior motivo da nova orientação de D. João III, expresso na carta de setembro de 1532, dirigida a Martim Afonso”.[2]

As «Capitanias» que resistiram foram as de Pernambuco e São Vicente, mas o objetivo de impedir a fixação de estrangeiros em zonas que anteriormente eram abandonadas foi realizado. Lugares onde foram estabelecidas vilas, corsários e piratas, franceses, ingleses e holandeses tiveram muito mais dificuldades de ação.

No ano de 1549, o rei de Portugal criará um novo sistema administrativo para o Brasil chamado «Governo Geral». Esse sistema seria mais centralizador, e no Governador seriam centralizadas as mesmas funções dos Donatários das Capitanias Hereditárias, mas com amplos poderes.

Organização eclesial

Pero Vaz de Caminha, em sua Carta, manifesta qual seria o proveito que poderia resultar o descobrimento do Brasil: “o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente e tal deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.”[3]

Segundo Rubert, o período que vai da descoberta até 1530 a Igreja não teve ambiente para fixar-se de modo efetivo. Com os indígenas faltava base e pessoal adaptado e, por outro lado, a população branca ou cristã não tinha núcleos estáveis. A partir de 1532 é que teremos um trabalho mais direto de cura pastoral com o Pe. Monteiro e também a colonização de algumas áreas do litoral.[4]

Com as Capitanias Hereditárias, a Igreja no Brasil vai se implantar de modo mais concreto, pois os colonos católicos vindos da Europa exigiam assistência religiosa. O rei como grão-mestre da Ordem de Cristo era responsável pela ereção de paróquias, pagamento da côngrua, enfim, deveria prover o que fosse necessário para a assistência religiosa destes colonos e até porque era o detentor dos dízimos eclesiásticos nas novas terras.

O sistema paroquial será, portanto, fundamental para implantar a Igreja na colônia. O surgimento das paróquias está ligado às capitanias, onde os donatários recebiam direitos de criar vilas e o rei informado da prosperidade destes primeiros povoados se apressa e erige nestes as primeiras paróquias, pagando a côngrua com os dízimos recolhidos na Capitania. Outras paróquias surgem a partir de uma fortaleza militar, junto a um engenho de cana.[5]

“Consoante os deveres do Padroado, todas as paróquias deviam ser sustentadas pelos dízimos. Mas com o aumento da população e a multiplicação dos engenhos e aldeias e diante da morosidade e burocracia do governo, o povo católico, impaciente de ter em seu meio o padre, com muito sacrifício erigia modesta igreja e dava ao cura o salário, com a esperança de que o rei encampasse esta obrigação. Todavia, muitas vezes se prolongava este estado de coisas por longos decênios, devendo o povo arcar com as despesas do culto divino, quando já contribuía à fazenda real também para esta finalidade. [...]Algumas paróquias foram bem dotadas desde o começo de sua ereção, pois além do pároco, o rei dava salário a diversos beneficiados ou capelães”.[6]

O êxito das paróquias também estava ligado a diversas circunstâncias, como a capacidade do padre, dos meios que havia à disposição, a própria instabilidade social, a atenção ou não da parte do Padroado régio.

Com relação à presença de religiosos no nosso período, não temos muitas notícias. Sabemos sim da presença de franciscanos na expedição de Cabral em 1500 e “assim também chegaram casualmente outros franciscanos: dois italianos em Porto Seguro em 1515 (um se afoga no Rio do Frade, o outro volta), dois em São Vicente em 1523, alguns espanhóis em São Vicente em 1538: estes já pensam em missões mais estáveis na região do Rio da Prata”.[7]Franciscanos também seriam outros passageiros das armadas que faziam escala no Brasil,[8]na rota para a Ásia. O historiador Jaime Cortesão defende a tese de que o «franciscanismo» iniciou a cristandade e os portugueses no amor da natureza, ativamente participando da epopeia dos descobrimentos.[9]Teremos padres seculares e franciscanos na expedição colonizadora de Martim Afonso de Sousa, como nas diversas armadas dos donatários de 1534/1536.[10]

“Frei Bernardo de Armenta e Frei Alonso Lebron catequizaram os carijós em Mbiaçá, mantendo até dois internatos, de 1537 a 1548. Isoladamente aportando à nova terra, com funções que somente aos donatários às vezes seria possível facilitar, embora as nomeações de vigários e capelães fossem passadas por El-Rei, como GrãoMestre da Ordem de Cristo, - perderam-se, em grande parte, os esforços aqui desenvolvidos pelos sacerdotes da Capitanias hereditárias, antes da criação do governo-geral”.[11]

D. João III agiu “considerando quanto serviço de Deus e meu e proveito dos meus Reinos e Senhorios, e dos naturais e súditos deles é ser a minha terra e costa do Brasil mais povoada do que até agora foi, assim para se nela haver de celebrar o culto e ofícios divinos, e se exaltar a nossa santa fé católica, com trazer e provocar a ela os naturais da dita terra infiéis e idólatras, como por o muito proveito que se seguirá a meus Reinos e Senhorios, e aos naturais e súditos deles, de a dita terra povoar e aproveitar”.[12]


NOTAS

  1. As Capitanais Hereditárias são 12 divididas em 15 lotes que iam da costa até a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas, situadas ao longo do litoral que vai do Maranhão a Santa Catarina. A primeira do Maranhão, de 50 léguas de costa, entre a Abra de Diogo Leite e o Cabo de Todos os Santos, doada ao navegador Aires da Cunha, que se associou ao escritor João de Barros, Feitor e Tesoureiro da Casa da Índia; A segunda do Maranhão, de 75 léguas, entre o Cabo de Todos os Santos e o Rio da Cruz, concedida a Fernando Álvares de Andrade, Tesoureiro-Mor do Reino; Ceará, de 40 léguas, entre o Rio da Cruz (Camocim) e a Angra dos Negros, doada ao Cavaleiro-Fidalgo Antônio Cardoso de Barros; Rio Grande, de 100 léguas entre a Angra dos Negros e a Baía da Traição, concedida ao citado João de Barros; Itamaracá, de 30 léguas, entre a Baía da Traição e o Rio Igaraçu, doada ao navegador Pero Lopes de Sousa; Pernambuco ou Nova Lusitânia, de 60 léguas de litoral, entre os Rios Igaraçu e São Francisco, outorgada a Duarte Coelho, soldado da Ásia e navegador; Bahia de Todos os Santos, de 50 léguas, entre o Rio São Francisco e a Ponta do Padrão, doada a Francisco Pereira Coutinho, soldado da Índia; Ilhéus, de 50 léguas, entre a Bahia de Todos os Santos e o Rio Santo Antônio, doada a Jorge de Figueiredo Correia, Escrivão da Fazenda; Porto Seguro, de 50 léguas de costa, entre os Rios Santo Antônio e Mucuri, concedida a Pero do Campo Tourinho, rico proprietário e navegador; Espírito Santo, de 50 léguas, entre os rios Mucuri e Itapemirim, outorgada a Vasco Fernandes Coutinho, soldado do Oriente; São Tomé, de 30 léguas de costa, entre os baixos de Pargos (Itapemirim) e o Rio Macaé, doada a Pero de Góis, companheiro de Martim Afonso de Sousa na expedição de 1530/1532; São Vicente, de 100 léguas de costa, em dois lotes: o primeiro, entre os Rios Macaé e Curupacé ou Juqueriquerê, com 55 léguas; o segundo, do Rio de São Vicente à Ilha do Mel, à entrada da Baía de Paranaguá, com 45 léguas; doada a Martim Afonso de Sousa; Santo Amaro, de 10 léguas, encravada na Capitania anterior, entre os rios Curupacé e de S. Vicente, concedida a Pero Lopes de Sousa; Santana, de 40 léguas, da Ilha do Mel até 28°20' de latitude sul, nas alturas de Laguna,
  2. H. VIANNA, História do Brasil, p. 95.
  3. Ibidem, p. 85
  4. Cfr. A. RUBERT, A Igreja no Brasil – Origem e Desenvolvimento, p. 53.
  5. Ibidem, p. 54.
  6. Ibidem, p. 56.
  7. E. HOORNAERT, História da Igreja no Brasil, p. 33
  8. O estabelecimento da ordem franciscana no Brasil se dará efetivamente em 1580
  9. Cfr. H. VIANNA, História do Brasil, p. 96.
  10. Ibidem, pp. 95-96.
  11. Ibidem, p. 96.
  12. Ibidem

BIBLIOGRAFÍA

HOONAERT E., História da Igreja no Brasil. vol. 2/1, Paulinas-Vozes, 3 ed. Petrópolis 1977.

RUBERT A., A Igreja no Brasil – Origem e Desenvolvimento (Século XVI), vol. 1, Palotti, Santa Maria 1981.

VIANNA H., História do Brasil. Melhoramentos, 15 eds., São Paulo 1994


CLEOCIR BONETTI