TRÁFEGO ESCRAVO; Senzalas
A «senzala» foi uma forma de moradia de populações escravizadas, vindas do continente africano num movimento conhecido por «Diáspora Africana», ou a vinda compulsória de sujeitos para o trabalho no sistema escravista na colônia portuguesa.
A forma de moradia das populações escravizadas, conhecidas por senzalas, estavam diretamente relacionadas à «casa-grande». Enquanto os senhores e suas famílias viviam sob a casa-grande, escravizados serviam a eles e moravam em habitações com poucos recursos e conforto. Essa relação traz o aspecto da intimidade para as relações entre senhores e escravizados e são essas relações que Gilberto Freyre utiliza para pensar a formação da sociedade brasileira patriarcal em seu livro «Casa Grande e Senzala», datado de 1933.
O intelectual destacava que tanto a casa-grande como a senzala representavam um sistema político, econômico, social e sexual. As relações que se davam entre essas duas esferas serviam para equacionar as diferenças gritantes existentes na sociedade.
A experiência das senzalas existe desde o início da experiência da escravidão na América Portuguesa. Desta forma a moradia em questão esteve presente do século XVI ao XIX, ou seja, dos engenhos de açúcar, das minas de ouro às fazendas do cultivo de café. Elas foram a principal forma de moradia dos períodos colonial e imperial.
A senzala faz, portanto, parte da vida cotidiana de sujeitos escravizados, envolvendo formas de organização social, resistência e convívio social. A palavra tem origem africana e significa morada, entretanto a forma de moradia era estabelecida pelos senhores, que cuidadosamente preveniam fugas colocando grades nas poucas janelas existentes e instalando à frente da senzala o pelourinho – tronco destinado aos castigos físicos da população escravizada. Essa estratégia era utilizada a fim de utilizar o castigo como forma exemplar aos demais e inseria as sevícias na vida cotidiana e na morada desses homens e mulheres.
A divisão interna da senzala é bastante diferente de como são organizadas as moradias atuais. A divisão interna que prevê espaços individuais (quartos, banheiros) não existia, nem mesmo a divisão por unidades familiares, tendo em vista que a própria noção de família se alterou com o tempo. Não havia divisão de cômodos e dormiam todos juntos, num mesmo espaço, apenas com separações entre homens e mulheres e crianças.
Para dormir o chão era o destino. Diretamente na terra ou sobre palhas eram as formas que os escravos encontravam para se acomodar para a noite de sono. A vida na casa-grande e nas senzalas traz aspectos da formação social brasileira e está presente nos debates atuais. A PEC das domésticas, aprovada em 2013 é exemplo deste debate.
Os direitos garantidos aos trabalhadores pela CLT são bastante difundidos, entretanto, somente em 2013 que o trabalho doméstico assalariado passa a ter tais garantias. Isso acontece pois o fator doméstico – ou a intimidade e as relações pessoais que surgem desta relação – implicam outras regras. A ideia desta suposta proximidade entre patrão e empregado (ou entre senhor e escravo, no mundo colonial) faz do direito trabalhista das domésticas uma questão sensível. A proximidade e a intimidade fizeram com que a ideia de que a empregada doméstica “é quase da família” seguisse os padrões patriarcais e escravocratas da experiência na casa-grande e nas senzalas. Que horas ela volta? filme de Anna Muylaert de 2015 retrata essas relações.
Ana Luíza Mello Santiago de Andrade
Referências:
Que horas ela volta? Anna Muylaert, 2015.
FREYRE, Gilberto, Casa-grande e Senzala, Global, São Paulo, 2004.